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20 dezembro, 2006

O mundo está sem travões

'Isso é tão anos oitenta. Isso é tão anos noventa. Isso é tão ano passado. Isso é tão mês passado. Isso é tão ontem. Isso é tão hoje de manhã...
Esta piada (ela própria um bocado datada) passou a exemplificar aquilo que os anglo-saxónicos chamam time compression. Tudo está a acontecer cada vez mais rápido. A velocidade em que vivemos é de tal maneira vertiginosa que parece que um português está ao volante do planeta. Nada dura mais que uns momentos. Poucos. Muito poucos. Há pessoas a provar roupa neste momento e a correrem para a caixa com medo que a roupa passe de moda entretanto. Nenhuma música dura mais do que uns dias no top. Já ninguém consegue aprender a letra de uma canção. Mal decoramos as duas primeiras linhas ela desaparece da playlist (honra seja feita à RFM que continua a passar as mesmas músicas há vinte anos para nos ajudar a decorar). Todos os automóveis com mais de seis meses parecem iguais ao Ford T. Há livros publicados no mês passado que hoje já estão na secção dos clássicos da literatura.
Refeições rápidas, entregas rápidas, baínhas rápidas? Sim. Sim. Sim. Ninguém quer esperar por nada. Até as relações humanas sofrem o efeito desta tendência global. Falar durante alguns minutos. Não. Toma lá com um sms. Relacionamentos longos? Bodas de ouro? O que é isso? Daqui a cinquenta anos não vai haver um único casal a poder celebrá-las.
A verdade é que o tempo foi à maquina de lavar e não escolheram o programa certo. Claro, encolheu. Hoje, uma hora não deve ter mais do que trinta e oito minutos. Quarenta, no máximo. Dura exactamente o mesmo que na série “24 horas”.
Há culpados? Alguém poderá ser punido por nos roubarem vinte minutos?
Há. Pode.
Chamem-me delator ou mesmo bufo, mas a culpa é da indústria informática. Foram eles que fizeram com que um vinil coubesse dentro de um cd. Foram eles também que fizeram com que um caixa de película coubesse dentro de um dvd. Foram eles e os seus algoritmos. As compressões e descompressões fizeram com que o mundo chegasse a este estado. Foram eles que fizeram com que discos e filmes coubessem no meu bolso. Afinal o MP3 e o MPEG não são assim tão porreiros.
E o pior é que este fenómeno está apenas no início. O acelerador da existência humana é uma tendência e só vai abrandar quando atingirmos essa mítica meta da velocidade da luz. Tudo o que agora fazemos rápido de mais vai parecer ridiculamente lento daqui a alguns anos. E ninguém faz nada perguntam os poucos resistentes? A ONU? A NATO? Não podemos enviar o porta-aviões espanhol e os nossos duzentos comandos para nos defenderem? Não há nenhuma entidade que diga: “meus senhores estão a ir depressa demais, vamos lá reduzir a velocidade. A partir de agora não podemos ir a mais de 120 algoritmos por hora”. Ninguém? Entrámos então neste paradigma de vivermos cada vez mais tempo mas termos cada vez menos tempo.
É aterrador? É.
Não houve nada positivo com este fenómeno da compressão temporal? Houve. O speed-dating. As novas gerações vão ter mais namorados e namoradas num dia do que nós tivemos na vida inteira. E isso só pode ser bom.'
Nuno Presa CardosoDirector criativo da BDDO

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